PERGUNTA: Por que atletas, como jogadores de futebol, que devem participar de competições nos Andes, como em La Paz na Bolívia, ou em outras localidades de grande altitude devem ali chegar com alguns dias de antecedência para se “aclimatar” fisiologicamente? No que consiste esse processo?
RESPOSTA: No nível do mar, como no Japão, onde se deram as Olimpíadas de 2021, a pressão atmosférica é a maior do planeta (salvo nas baixas regiões ao redor do Mar Morto, que são geograficamente mais baixas) e consequentemente a concentração do gás Oxigênio também é maior. Todavia se um japonês ou um habitante de qualquer litoral ou região mais baixa se deslocar para o Himalaia, Andes ou regiões de grande altitude, onde a pressão atmosférica e tensão de O2 são menores, sentirá vertigens, náuseas, cefaleia (dor de cabeça) e isso durará uns três dias, mais ou menos. O corpo padecerá de hipóxia, de carência de O2. Nesse período a fisiologia sanguínea adaptar-se-á produzindo na medula óssea vermelha (ou tecido hematopoiético ou hemocitopoiético ou tecido mielóide) mais glóbulos vermelhos (ou hemácias ou eritrócitos, sinônimos) para compensar a carência de O2. Ou seja, o aumento de transporte desse gás compensa a sua rarefação, e a pessoa voltará a se sentir saudável e disposta. O fato curiosíssimo é que quando voltar ao nível do mar o indivíduo se sentirá como um “super homem” (ou mulher maravilha) pois ainda com tantos glóbulos vermelhos suplementares e diante de uma oferta imensa de O2 pela lata pressão atmosférica será capaz de realizar tarefas físicas de demanda aeróbia por mais tempo sem sentir fadiga, como correr mais tempo sem a formação de lactato ou permanecer mais tempo num mergulho em apneia. Essa era a estratégia dos atletas soviéticos que antes de se apresentarem as suas competições desportivas permaneciam algum por tempo hospedados na Cazaquistão, próximo ao Himalaia. Tal prática se tornou proibida pelo comitê olímpico internacional, todos os atletas devem chegar ao local de suas provas alguns dias antes e se submeter a um exame denominado hematócrito, que é a percentagem de volume ocupada pelos glóbulos vermelhos ou hemácias no volume total de sangue. Depois de alguns dias submetido a uma altitude menor o organismos se reajusta eliminando o excesso de hemácias suplementares sendo estas destruídas e recicladas no fígado e no baço, como ocorre com os glóbulos vermelhos velhos com aproximadamente 120 dias.
Em 1905, Paul Carnot, um professor de medicina em Paris, e seu assistente, Clotilde Deflandre, expuseram a ideia de que hormônios regulam a produção de células vermelhas do sangue (hemácias ou eritrócitos). Após a realização de experimentos em coelhos sujeitos a sangria, Carnot e Deflandre atribuíram um aumento das células vermelhas no sangue em indivíduos de coelho a um fator hematopoiético chamado hemopoietina ou eritropoietina ou EPO.
Posteriormente verificou-se que essa glicoproteína é secretada em maior quantidade, pelo fígado (principalmente no feto) e pelos rins (principalmente no adulto), quando o organismo se submete a uma atmosfera rarefeita de O2, quando, por exemplo, uma pessoa que vive no nível do mar viaja para os Andes ou para o Himalaia, como discutido acima, ou após uma considerável hemorragia.
Texto do Prof. Carlos Estevão Simonka